Apontadas como uma das soluções para a melhora da mobilidade urbana nas grandes metrópoles, as bicicletas voltam às ruas com design clássico e assinatura de grifes de luxo.
Pedaladas cheias de Há quatro anos, a mineira Renata Tapias fez uma grande mudança no seu dia a dia. Optou por deixar o carro na garagem e usar a bicicleta para ir ao trabalho. Moradora do bairro Itaim Bibi, na capital paulista, ela não percorre uma distância muito longa: são cerca de dois quilômetros entre a casa e o escritório. “Minha inspiração foi uma viagem a Berlim, onde tive a chance de conhecer
praticamente a cidade toda de bicicleta”, conta. “Eu já trabalhava no mesmo bairro onde moro, mas meus filhos estudavam em outro. Quando transferi os dois para uma escola pertinho de casa, percebi que não precisava mais do carro e tomei a decisão.” Assim como Renata, é cada vez maior o número de pessoas que enxergam a “magrela” como solução para se locomover com rapidez, ter um estilo de vida mais saudável e deixar para trás de vez o estresse dos congestionamentos.
Em cidades europeias, como Amsterdã, Berlim, Copenhague e Dublin, há muitos anos, a população já incorporou a bike como meio de transporte alternativo ao carro. O engajamento é tamanho que as capitais ocupam posição de destaque no ranking que elege, a cada dois anos, as 20 melhores cidades do mundo para andar de bicicleta (veja mapa ao final da reportagem).
Por enquanto, o Rio de Janeiro é o único município brasileiro a constar do ranking, na 12ª posição, mas pode ser que, na edição de 2015, São Paulo também garanta um lugar na respeitada lista. Afinal, segundo a Meta 97, do Programa de Metas da Prefeitura, a maior cidade do País deve encerrar 2015 com 400 quilômetros de ciclovias. Ao final de 2014, ano em que os espaços destinados aos ciclistas se multiplicaram pela cidade, já eram quase 200 quilômetros.
Design e tecnologia
Estimativas recentes revelam que, na Alemanha, existem 588 bicicletas para cada 1.000 habitantes. Na Holanda, esse já impressionante índice é ainda maior: 1.000 bicicletas para cada 1.000 habitantes. Ou seja, 100% da população holandesa tem uma magrela. De olho nesse mercado em expansão, muitas grifes internacionais de luxo resolveram investir no segmento e lançar modelos exclusivos.
É o caso da maison francesa Hermès. Feita somente sob encomenda, a Le Flâneur está disponível nas cores branca, preta e vermelha, todas com o selim de couro de bezerro na cor marrom claro e estrutura de fibra de carbono, que garante leveza e durabilidade. O veículo foi produzido em duas versões: esportiva (para quem leva a atividade mais a sério) e regular (voltada ao lazer). O modelo esportivo aposta no design clean e na alta performance. Já a bicicleta de passeio é mais sofisticada e inclui charmosos detalhes, como uma campainha em estilo antigo e um discreto farol na frente. Feitas artesanalmente, as peças custam, aproximadamente, US$ 11 mil.
Seguindo o exemplo da grife francesa, que decidiu diversificar e investir em um produto capaz de incorporar o conceito de estilo de vida à marca, a brasileira Trousseau apostou no lançamento de uma bicicleta que carrega o DNA da grife. Há dois anos, durante uma viagem pela Europa, Adriana Trussardi, fundadora da empresa ao lado do marido, Romeu Trussardi Neto, participou de palestras sobre a importância do estilo de vida nos negócios. Foi aí que começou a vislumbrar a oportunidade de ter um diferencial em suas lojas – especializadas no segmento de cama, mesa e banho.
Hoje, quem passa pelas vitrines da Trousseau encontra, entre cobertores de puro cashmere, travesseiros com plumas de ganso e lençóis de algodão egípcio, simpáticas bicicletas. “Elas têm tudo a ver com o conceito de nossos produtos, porque também estão ligadas à qualidade de vida, ao prazer e ao conforto”, diz Adriana.
Os modelos são fabricados com exclusividade por um designer na Itália. Adriana e Trussardi Neto acompanham de perto o desenvolvimento do produto. A primeira vez que trouxeram as bikes para o Brasil foi para a coleção Verão 2013. As 60 unidades foram vendidas rapidamente. “Foi uma enorme surpresa, afinal, era uma novidade. Hoje, produzimos 250 bicicletas para cada coleção semestral”, revela a empresária.
Em abril de 2014, pouco antes da Copa do Mundo, a Trousseau lançou um modelo comemorativo, com revestimento na cor azul e quadro de marchas em verde. Hoje, quem estampa as vitrines das lojas é a Donna. Toda branca, a bicicleta tem linhas clássicas, cestinha de couro e selim fabricado pela tradicionalíssima Brooks England, ícone no mercado de assentos ciclísticos. O preço médio de cada uma é R$ 5 mil.
Mercado redescoberto
A nova geração de bicicletas de luxo não chega a ser uma completa novidade. No passado, grifes globais já haviam produzido modelos únicos para clientes especiais. Em 1894, a joalheria Tiffany & Co. criou a Sterling Silver Bicycle para a cantora e atriz Lillian Russell, estrela dos palcos norte-americanos no final do século 19. Feita sob encomenda, a peça foi um presente de um bem-sucedido empresário e fã da artista, conhecido como “Diamond Jim Brady”. Mais recentemente, grifes poderosas no mundo fashion, como as italianas Fendi, Gucci e Missoni, aderiram à tendência, lançando o veículo em edições limitadas.
Outras empresas habituadas a atender ao público mais sofisticado também estão apostando nas novas “queridinhas” das grandes cidades. É
o caso da BMW, que, desde a década de 1950, tem sua linha de bicicletas. Pioneira no uso do alumínio, a fabricante de automóveis investe em tecnologia de ponta para desenvolver a suspensão de suas mountain bikes. As bicicletas BMW são robustas, com design minimalista e quadro de marchas pensado para facilitar o transporte. Para ajudar a compor o visual enxuto, os fios de freio correm por dentro dos tubos. Já a concorrente Mercedes-Benz fabrica modelos mais esportivos, incluindo duas irresistíveis versões para crianças: um modelo em cor-de-rosa e outro em azul.
Encanto vintage
Mas, certamente, é o charme irresistível das bicicletas vintage o que mais atrai olhares de cobiça de ciclistas e até daqueles que ainda não se renderam aos inúmeros benefícios das pedaladas urbanas. Países com tradição em esportes ao ar livre e contemplação da natureza concentram os principais ateliês de manufatura artesanal. É o caso da marca Cicli Montante, fundada na década de 1920, em Castell’Alfero, a pouco mais de 40 quilômetros da cidade italiana de Turim. Segundo Marina Faletto, uma das responsáveis pela empresa, cada unidade é tratada como uma joia. “Todas têm um número de série gravado”, diz. “Dessa maneira, conseguimos rastrear todas as nossas peças.”
O prestígio da Cicli Montante é tamanho que a Moschino, grife cultuada por celebridades como Nicole Kidman e Madonna, e a Maserati, famosa pelos carros esportivos de luxo, são algumas das empresas que já encomendaram edições limitadas ao ateliê. Para a fabricante automotiva, a Montante produziu modelos exclusivos para o Giro d’Italia 2008.
A Montante fabrica diversos modelos com apelo retrô e ares de belle époque. “É um símbolo nostálgico do estilo la dolce vita”, considera Marina.
Os clientes buscam bicicletas com elegância clássica, desenho simples, mas detalhes refinados. Há ainda a preocupação em adquirir um produto capaz de durar por toda a vida.
Volta ao mundo
Tons pastel, selim e guidão de couro claro – praticamente um must have nas bicicletas vintage. São essas as principais características dos modelos produzidos pela Diamant, outro grande nome da indústria das duas rodas na Europa. Combinando autenticidade e tradição, o modelo 130, por exemplo, celebra o aniversário de 130 anos da marca alemã e reúne componentes como freios a disco hidráulicos, selim da Brooks England e um moderno sistema de iluminação.
Primeira empresa a produzir bicicletas na Alemanha e inventora da corrente, a marca se orgulha de apostar na continuidade e em um estilo atemporal.
Em um mercado cada vez mais aquecido e refinado, algumas magrelas já viraram até joias. De verdade. A escandinava Aurumania fabricou apenas dez unidades da Gold Bike Crystal Edition, banhada com ouro 24 quilates e cravejada com 600 cristais Swarovski. A extravagância foi vendida por € 80 mil. O primeiro comprador adquiriu a peça para expô-la como obra de arte na parede de sua casa, em Londres.
Mas o que a grande maioria dos ciclistas busca mesmo é eficiência, robustez e, de quebra, um pouco de charme. “Bicicletas são mais baratas e cupam menos espaço que carros. Além disso, são fáceis de estacionar e não poluem o meio ambiente”, defende Marina Faletto, da Cicli Montante. “Uma bicicleta bacana pode revolucionar o estilo de vida de uma pessoa”, diz Marina.
A mineira Renata, citada do início desta reportagem, está conseguindo realizar essa mudança. Criada em uma cidade do interior, ela conta que pedalava bastante quando criança. Mais tarde, quando se mudou para o Rio de Janeiro, usava a bike para passear pela orla. “Nunca imaginei que conseguiria ter esse tipo de vida justamente em São Paulo”, diz Renata. Ponto para ela. E ponto para a cidade, que ganhou mais uma ciclista.
Texto Suzana Camargo