Quem acompanha o mercado há algum tempo sabe que depois da crise de 2008 a inflação alta, especialmente nos países desenvolvidos, deixou de ser uma preocupação. As preocupações giravam em torno da inflação persistentemente baixa.
Entretanto, a pandemia de COVID-19 alterou este contexto de forma substancial. Inicialmente o choque de preço de commodities e os gargalos de produção impulsionaram os preços de bens no atacado, que se disseminaram para os preços ao consumidor.
Com a reabertura econômica tal processo se reverteu, mas a inflação de núcleos, mais inercial e persistente, que foi parcialmente contagiada pelo choque de preços voláteis, seguiu em patamar alto.
Aproveite para conferir a explicação completa do economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso:
Sumário
ToggleInflação de núcleos segue alta
Os vultuosos estímulos gerados ao longo da pandemia geraram forte crescimento econômico após a reabertura, levando as taxas de desemprego para patamares extremamente baixos, resultando em pressão ascendente de salários.
Este fato é importante uma vez que salários em alta tem uma dupla face: maior custo da ótica do empresário, mas, por outro lado, gera maior renda para os trabalhadores e, portanto, maior demanda.
Neste sentido é um processo que se retroalimenta e, por isso, a inflação de salários é considerada chave por nós economistas.
Alta de juros historicamente sincronizada
Como reação a esta problemática, os bancos centrais de diversas econômicas subiram as taxas de juros, visando desacelerar a atividade econômica, como era de se esperar.
Mas aqui há um ponto interessante a se destacar: historicamente este foi o momento onde os bancos centrais atuaram de forma mais sincronizada, ou seja, os freios tendem a se somar entre as regiões e ao longo do tempo.
Estados Unidos
Quando cruzamos a magnitude, a sincronicidade e o espalhamento do aperto monetário e confrontamos com as expectativas medianas de crescimento econômico para 2024, desconfiamos que o mercado tem subestimado o efeito do freio monetário.
Para os Estados Unidos, por exemplo, a mediana aponta para crescimento de 1%, somente 0,8% abaixo do considerado crescimento potencial da economia americana, após um choque de mais de 5 pontos percentuais de juros.
Em exercícios proprietários, encontramos que o efeito do freio monetário nos Estados Unidos demora entre 5 e 10 trimestres para atingir sua plenitude a partir do momento em que as altas são realizadas. Atualmente somente 30% dos efeitos já contratados estão atuando, percentagem que subirá gradualmente até atingir a plenitude em meados de 2024.
Ainda nos Estados Unidos, há outros fatores que tem sustentado a atividade econômica mais forte, que não deverão ocorrer ou ocorrerão em menor proporção em 2024. Por exemplo, segundo os nossos cálculos, o impulso fiscal, a poupança acumulada pelas famílias ao longo da pandemia e os ganhos de renda reais com a queda da inflação foram componentes importantes para sustentar a atividade econômica em 2023.
Entretanto, para 2024, além da materialização do freio monetário, deverá haver inflexão do impulso fiscal para o campo negativo ou próximo da neutralidade, término da poupança acumulada na pandemia em meados do segundo trimestre e os ganhos de renda derivados da queda da inflação serão menores.
Nesse sentido, uma das principais nossas teses para o cenário econômico global em 2024 é a desaceleração mais intensa da econômica americana do que o contemplado pelo mercado.
China
Outro ponto importante a se destacar no cenário internacional diz respeito a China.
Ainda não vemos nos estímulos econômicos anunciados, até então, magnitude suficiente para uma alteração substancial do cenário esperado de crescimento pouco abaixo ou em torno de 5% em 2024.
Entretanto, o aprofundamento dos estímulos por lá pode ser um driver importante e segue como risco ascendente para a nosso cenário de atividade econômica global, ainda que acreditemos que tenha probabilidade minoritária de se realizar.
Brasil
Já para o Brasil, 2024 também será um ano de desaceleração da atividade econômica importante uma vez que, assim como nos Estados Unidos, alguns fatores que impulsionaram o crescimento não se repetirão.
No Brasil, este ano foi fortemente impulsionado pelo bom desempenho do setor agro com alta de quase 20% da safra de grãos, o que gerou efeitos secundários positivos no emprego e renda de regiões produtoras.
Entretanto, para 2024, os dados mais recentes sugerem estabilidade da safra de grãos frente este ano, portanto, para efeitos de crescimento o impacto é zero.
Outro fator importante para o bom desempenho econômico este ano diz respeito ao crescimento da massa de rendimentos, tanto pela melhora do emprego como efeitos secundário do agro, por exemplo, quanto pelo aumento dos benefícios sociais este ano.
Além disso, a queda da inflação também impulsionou os ganhos reais. Por outro lado, para 2024 acreditamos que tais fatores não estarão presentes ou em menor intensidade.
E, por fim, os efeitos da política monetária ao longo de 2023 e ainda contracionista também deverão ficar mais claros sem os efeitos positivos citados anteriormente.
Neste contexto, vislumbramos que o crescimento do PIB deverá desacelerar de 2,7% este ano para algo mais próximo de 1,5% em 2024.
Inflação de bens importados e alimentos
A inflação, por sua vez, já vem apresentando comportamento bastante benigno principalmente na parte dos itens comercializáveis devido à queda do preço de commodities no mercado internacional e também a apreciação do real frente ao dólar, em parte devido as altas taxas de juros e, em parte devido aos elevados saldos comerciais.
Acreditamos que para 2024, a inflação de alimentos deverá normalizar, após deflação em 2023, mas continuará em patamar próximo a meta. Já a parte de industriais, em linha com a desaceleração global, esperamos que fique ligeiramente abaixo da meta.
Inflação de serviços deverá ser mais baixa
Já a inflação de serviços e de núcleos, que no cenário internacional está relativamente resiliente, tem cedido na margem em linha com a desaceleração da atividade econômica, o que deve continuar adiante.
Segundo nossas projeções, a inflação de serviços, deverá continuar em patamar relativamente baixo frente os últimos anos, mas acima da meta, em torno de 4% em 2024.
Ritmo de redução de juros deve se manter
Neste contexto de menor atividade econômica e inflação comportada, acreditamos que o Banco central do Brasil tem condições de seguir com os cortes da taxa SELIC em ritmo próximo a meio ponto percentual de corte por reunião. Entretanto, vislumbramos dois principais riscos para este cenário.
O primeiro diz respeito a possibilidade de taxa de juros ainda mais elevadas no cenário internacional em 2024, o que não acreditamos que deva acontecer, uma vez que vislumbramos que a atividade econômica global desacelerará.
Já o segundo diz respeito a desconfiança em torno da política fiscal, devido a possibilidade de revisão da meta de déficit para 2024.
Neste caso, acreditamos que o governo respeitará o arcabouço fiscal, mas eventualmente tenha que revisar a meta. Como acreditamos que a persecução dos objetivos e o respeito ao arcabouço é mais importante do que o atingimento da meta em si, não vemos como impeditivo para a continuidade do ciclo de queda da taxa de juros.
Vale ressaltar, que desvios significativos dos objetivos, mesmo com a persecução, deverão ser encarados de forma distinta.
SELIC em 2024
Em síntese, acreditamos que diversos fatores que atualmente tem preocupado os agentes econômicos atualmente, como a atividade econômica global resiliente, alta da taxa de juros pelos bancos centrais, a inflação mais persistente e outras, não estarão mais presentes ao longo de 2024.
Assim como localmente, a continuidade do arrefecimento da atividade econômica, o bom comportamento da inflação e a persecução dos objetivos fiscais também resultarão em conjuntura substancialmente diferente da atual.
Neste sentido, acreditamos que as condições no futuro estão mais favoráveis para a continuidade dos cortes por parte do Banco Central, que segundo nossas projeções, deverá levar a taxa SELIC próximo a 9% no ano que vem.
*Análises do economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso.