Por Patrick Cruz
Em todo o mundo, críticos e fãs têm concordado em ao menos um ponto: Billions, disponível no Brasil na plataforma Netflix, é uma das melhores séries em exibição na atualidade. Ela trata do universo das finanças, um tema que poderia não ser muito atraente para o grande público. No entanto, a produção acabou caindo no gosto de muita gente por abordar, sem o maniqueísmo do “mocinho contra o bandido”, as disputas entre Chuck Rhoades (vivido por Paul Giamatti), chefe da promotoria pública de um dos distritos de Nova York, e Bobby Axelrod (Damian Lewis), dono da empresa de investimentos Axe Capital.
A série é de ficção, mas seus debates estão muito presentes no cotidiano dos investidores e também dos profissionais do mercado. Não é por acaso que ela tem sido elogiada por gente que vive, na prática, os desafios e dilemas do universo das finanças.
(Além disso, para quem tem um pouco mais de vivência, não deixa de ser divertido tentar identificar as rápidas aparições de nomes conhecidos do mercado financeiro. Entre as participações especiais estão as de David Solomon, CEO do Goldman Sachs, Marc Lasry, fundador da firma de investimentos Avenue Capital, do investidor e consultor Omeed Malik e de Chris Sacca, do Lowercase Capital, fundo de venture capital que estava entre os primeiros investidores de empresas como Twitter, Uber e Instagram.)
As gravações da quinta temporada foram interrompidas por causa da pandemia e ainda não têm data de retorno. Enquanto os novos episódios não vão ao ar, conheça abaixo cinco temas presentes em Billions e que estão no dia a dia de investidores e gestores.
Investimentos éticos
Os chamados “investimentos éticos”, ou “investimentos sustentáveis”, são aqueles feitos seguindo a responsabilidade ambiental, econômica e social como premissas centrais. Assim, um fundo que obedece a essas políticas pode até vetar, por exemplo, a compra de ações de empresas que oferecem produtos e serviços que causam vício, como álcool, tabaco e jogos. O debate sobre a adoção de critérios econômicos, sociais e ambientais (ESG, na sigla em inglês) nas decisões sobre a montagem de portfólio de investimentos é muito atual – e é também um dos temas centrais da quinta temporada.
“Green washing”
Talvez um dos segredos do sucesso de Billions entre profissionais de investimentos e também entre gente que entende de finanças seja o fato de a série não tratar de maneira rasa temas complexos. Na quinta temporada, o CEO de uma petroleira dá de ombros quando um fundo verde tenta convencê-lo a mudar a maneira como sua empresa opera em nome da salvação do planeta.
Mas, em um novo encontro, o argumento é outro: o de que é preciso sair na frente da concorrência em um caminho irreversível, o da sustentabilidade. Quanto antes o mercado souber disso, maior será a vantagem da empresa sobre seus competidores no futuro. O CEO logo reconhece que o plano é um green washing, um “banho verde” – e aprova a ideia que antes ele tinha ignorado. O fundo pode não ter conquistado o coração do executivo, mas o convenceu a mudar sua empresa porque isso faz mais sentido para o negócio. A série deixa a pergunta no ar: será que faz diferença?
Órgãos reguladores e indústria farmacêutica
Billions apresentou mais de uma vez histórias que envolvem o trabalho do FDA, órgão do governo americano responsável pela aprovação de novos remédios e alimentos. A aval da agência a um novo medicamento pode representar a salvação de milhões de vidas – e também ganhos bilionários tanto para as empresas responsáveis pelas pesquisas quanto para os investidores que têm papéis dessas companhias. Na pandemia, esse tema entrou de vez em nosso dia a dia: cada notícia sobre uma possível vacina contra o novo coronavírus tem feito disparar as ações das empresas mencionadas, mesmo com a cura efetiva ainda não estando assim tão próxima.
Debate moral sobre lucrar com tragédias
A covid-19 renovou uma discussão que sempre acompanha o mercado de investimentos: o de que, seja qual for a tragédia, nela haverá quem ganhe dinheiro e quem perca. Bobby Axelrod trabalhava no World Trade Center quando ocorreram os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York. Naquela manhã, quando estava em visita a um cliente, ele viu o primeiro avião bater em uma das torres gêmeas – e, imediatamente, deu ordens de venda de ações. Foi assim que ele começou a construir sua fortuna. “Eu agi por instinto. Eu não sabia que um segundo avião ia bater nas torres”, disse. “E eu perdi todos os meus amigos naquele dia.”
Relação público e privado
Bobby Axelrod, o bilionário dono da Axe Capital, é um defensor ferrenho do livre mercado e das virtudes do capitalismo para a geração de riqueza, empregos e inovação. O promotor Chuck Rhoades, por sua vez, vê o mercado financeiro como um dos grandes vilões da economia americana. No entanto, como dito acima, a série não trata nenhum dos dois como necessariamente “bom” ou “mau”. Ao fazer isso, ela expõe as virtudes de ambos – e também suas hipocrisias.
Axelrod age, sim, segundo a “mão invisível” do mercado (para usar a expressão do economista Adam Smith), ou movido pelo “espírito animal” (segundo John Maynard Keynes) de um capitalista vencedor. Isso não o impede de aproveitar seu acesso ao secretário do Tesouro Todd Krakow (interpretado por Danny Strong), também ele um nome importante do mercado financeiro, para conseguir uma ajuda do Estado em seus negócios. E Rhoades, que se diz movido pelo bem comum ao investigar crimes financeiros, burla regras a todo o tempo para atingir seus objetivos, pretensamente “de interesse público”.